“Precisei ir a Nova York em fevereiro e o cenário da Covid-19 em outros países ainda era muito incerto, mas a Itália começava a ser atingida com mais força. O que até então não era uma pandemia foi tomando maiores proporções.
Busquei o máximo de informações por meio dos órgãos competentes como a Organização Mundial da Saúde, o Ministério da Saúde e veículos de imprensa confiáveis, para saber o que era conhecido e pensar no que fazer para minimizar os riscos. Naquela viagem, resolvi levar uma máscara na mochila e álcool em gel no bolso: se o alastramento do vírus já estava tomando aquela forma na Itália, a possibilidade de chegar ao restante do mundo era grande.
Um dos meus primeiros pensamentos foi no meu pai, que tem 70 anos de idade e faz parte do grupo de risco por ser diabético e hipertenso. Também me senti triste pelo fato dos meus pais não poderem ver a minha filha Lara, de apenas 10 meses. Eu imaginava que eles sentiriam muito a distância, mas não teve jeito. Já se passaram dois meses sem que eles possam vê-la presencialmente. Outra preocupação foi sobre a possibilidade de eu ou minha esposa ficarmos doentes e em como seria lidar com os cuidados com a nossa filha nessa situação.
Também pensei muito na equipe da Hotmart, nas pessoas que trabalham juntas todos os dias para tornar a empresa um ambiente vibrante, de muita colaboração e proximidade. Ou seja, o desafio era grande, desconhecido, mas alguma coisa precisava ser feita.
Com isso em mente, e também com a percepção de como o home office poderia impactar na vida das pessoas, agimos rapidamente para disponibilizar mesas e cadeiras para quem não tinha um espaço confortável para trabalhar em casa, uma ajuda de custo para despesas com energia elétrica durante o período, sessões de terapia à distância para a nossa equipe, eventos online como aulas de yoga, fitness e atendimento com profissionais como pediatras para os colaboradores que possuem filhos. Tudo isso foi criado para tornar nossos dias um pouco mais leves e confortáveis, na medida do possível.
Reforçamos a nossa comunicação com o board, diretores e colaboradores. Hoje temos um update semanal que explica como está a empresa, o que deu certo e o que precisa ser aperfeiçoado. Isso é feito com muita abertura e transparência para colocar todos na mesma página sobre o que está acontecendo.
Durante esse processo, ouvi investidores, antigos mentores, empreendedores e pessoas próximas que me deram suas percepções. Muitos conselhos chegaram até mim sem que eu precisasse buscá-los. Terão muitos bem intencionados no caminho, pessoas que gostam de você e que passaram por crises no passado. Mas uma situação como esta, que afeta a cadeia de produção, com pessoas impedidas de sair de casa e, ao mesmo tempo, unidas por uma teia digital, é sem precedentes.
Em uma situação onde não se sabe qual será o rumo, é importante ter a sensibilidade para desenhar opções e entender quais adaptações serão necessárias. Por isso, fiz diversas projeções sobre o futuro do nosso mercado de educação online e criei possíveis cenários sobre o que poderia vir pela frente.
Eu acreditava que o nosso setor sofreria menos nesse tempo de crise e que poderia até sair mais forte disso – e essa percepção foi se concretizando. Com base em tudo isso, decidimos manter todos os nossos colaboradores, continuar com as contratações planejadas e tentar contribuir para a nossa sociedade.
Por outro lado, infelizmente a crise ocasionada pela Covid-19 bateu mais forte na porta de algumas startups e demissões foram realizadas. Sei que foi uma decisão difícil e torço muito para que essa situação se reverta o quanto antes. Startups têm processos de contratação criteriosos e muitas vezes longos. Desmanchar uma equipe por um motivo externo e imprevisível como o que estamos vivendo, por exemplo, é muito doloroso.
Muitas vezes pode parecer que demitir é uma primeira opção, mas este não é o caso para a maioria dos fundadores que conheço: eles fizeram isso porque não havia outro jeito. Tenho certeza que essa escolha foi feita para que a empresa continuasse viva com a possibilidade de, posteriormente, retomar as contratações e o seu crescimento. Mas não é nada fácil, considerando que é uma questão de sobrevivência no mercado.
Tratando-se de responsabilidade social durante a pandemia, uma startup que está lutando para sobreviver entende os limites do que pode ser feito neste momento. Em contrapartida, algumas empresas conseguem fazer mais. Felizmente, estávamos nessa posição e meu sentimento foi de que conseguiríamos ir além.
Para tentar reduzir os impactos da pandemia na sociedade, realocamos parte das despesas que teríamos com eventos, marketing e viagens para a criação de um fundo no valor de R$ 1 milhão. Esse dinheiro está sendo usado na fabricação de mais de 15.000 protetores faciais, em parceria com a Trem Maker, comunidade de laboratórios de inovação de Minas Gerais, para profissionais de saúde de hospitais da região. Com essa iniciativa, estamos conseguindo fornecer equipamentos individuais de proteção e ajudar aqueles que estão atuando na linha de frente.
Em outra frente, disponibilizamos nossa plataforma gratuitamente para que escolas pudessem transmitir suas aulas ao vivo para seus alunos. Além disso, criamos um projeto onde ajudamos empreendedores a adaptarem suas atividades do offline para o online. Também tiramos do papel uma iniciativa em que profissionais como adestradores, personal trainers e psicólogos, por exemplo, podem vender seus serviços por atendimento online.
Nosso objetivo com todas essas ações foi de levar melhores perspectivas para as pessoas, já que estamos todos no mesmo “barco” e algumas atitudes têm o mesmo poder de um abraço.
Acredito que o que estamos vivendo vai trazer mudanças profundas para a nossa sociedade em diversos aspectos e o trabalho remoto é uma das grandes lições da pandemia que será aproveitada por muitos anos pela frente.
Aprendemos também a ter mais calma, não fazer as coisas na correria, refletir mais e procurar ver as situações por diversos ângulos. O que está sendo vivido agora é único e ainda não há todas as respostas, mas tenho certeza que atuando juntos, mesmo que fisicamente separados, vamos superar.
Outra lição é que conselheiros podem fazer perguntas, argumentar e fazer provocações que fazem pensar, mas a decisão cabe ao líder, que conhece seu negócio melhor do que ninguém, conforme suas próprias convicções. Para mim, este foi um período de muita reflexão, de projeção de cenários e de decisões que só eu mesmo poderia tomar.
Seguimos em frente, em casa e cada vez mais conscientes das nossas responsabilidades e necessidades de fazermos contribuições como instituição e indivíduos neste momento. Nosso comportamento, empatia e tolerância serão a chave para passarmos por isto. E vai passar.”
(Conforme relatado à Angelica Mari)